Artigo Técnico
- pnqai7
- 29 de out.
- 8 min de leitura

Sobre a autora:
Eliane Dalben Dillenburg é Mestre em Ciências da Saúde e possui um MBA em Gestão de Pessoas: Carreiras, Liderança, Coaching. Com uma trajetória sólida como empresária, Eliane atua no setor de qualidade do ar interno. Sua experiência como cirurgiã-dentista enriquece seu conhecimento em saúde e bem-estar, impulsionando-a a criar ambientes mais saudáveis.
Abstract
Melhorar a qualidade do ar em ambientes fechados é essencial para prevenir doenças infecciosas e não infecciosas, mas reconhecer essa importância raramente leva, por si só, à adoção de práticas eficazes.
Este artigo, sob a ótica da psicologia cognitiva e comportamental, destaca que a real barreira para a implementação de melhorias está menos na falta de informação técnica e mais na dificuldade de promover mudanças de comportamento.
Fatores como invisibilidade dos riscos, vieses cognitivos, pressões sociais, resistência institucional e emoções como medo e negação impedem a mobilização.
A adesão efetiva exige estratégias que tornem o risco mais tangível, envolvam grupos, simplifiquem decisões e conectem o tema a valores cotidianos e vantagens práticas.
Assim, a psicologia revela que somente intervenções que considerem os mecanismos comportamentais e sociais podem viabilizar, de fato, a aceitação e implementação de medidas eficazes para a qualidade do ar interno.
Qualidade do Ar Interno Sob a Visão Comportamental
Embora informações científicas sobre mudanças climáticas e poluição interna de ambientes sejam amplamente acessíveis e bem divulgadas, não há registro de que em função delas, as pessoas tenham mudado automaticamente os seus hábitos, tanto em casa quanto no trabalho. Portanto, somente informar não basta.
Estratégias eficazes de mudança comportamental devem integrar fatores psicológicos e sociais.
A psicologia, especialmente a cognitiva e comportamental, estuda como nossos comportamentos e decisões são moldados pelo ambiente. Estudos mostram que, mesmo com conhecimento sobre riscos, barreiras psicológicas e perceptivas impedem ações adequadas. Assim, o desafio é não apenas educacional, mas também social, exigindo estratégias que superem essas barreiras e promovam melhorias na qualidade do ar interno.
Isso inclui implementar abordagens práticas que considerem influências sociais e emocionais, preparando o ambiente para mudanças comportamentais efetivas.
Psicologia Aplicada à Qualidade do Ar Interno, Visibilidade do Risco - A visibilidade do risco se refere à tendência das pessoas de se preocuparem mais com ameaças que são visíveis e perceptíveis aos sentidos, como lixo ou fumaça visível, por exemplo, do que em relação aos poluentes do ar interno, que por serem geralmente invisíveis e insensíveis, tornam-se "psicologicamente distantes". Isso significa que não geram a sensação de urgência necessária para motivar mudanças de comportamento.
Na década de 1960, a antropóloga inglesa Mary Douglas destacou que nossa percepção de perigo e o modo como lidamos com ele são socialmente construídos. Nesse sentido, julgamentos sobre risco são influenciados por contextos políticos, morais, estéticos e culturais. No caso particular da qualidade do ar interno, os riscos invisíveis podem ser subvalorizados ou ignorados sem uma conscientização cultural e social adequada.
Para tornar esses riscos visíveis e promover mudanças, é essencial integrar estratégias educacionais e culturais. Essas estratégias devem ajudar as pessoas a reconhecerem e enfrentarem esses perigos em suas rotinas diárias, destacando a importância de uma abordagem coletiva para enfrentar essa questão

Heurísticas e Vieses Cognitivos
O cérebro humano simplifica decisões cotidianas com atalhos mentais (heurísticas).
Os vieses e heurísticas influenciam como percebemos e reagimos à qualidade do ar interno de várias maneiras:
Viés do Agora: As pessoas tendem a priorizar conforto imediato, como manter janelas fechadas por causa do clima, sem considerar os efeitos de longo prazo de um ambiente mal ventilado na saúde.
Heurística da Disponibilidade: Se uma pessoa nunca teve problemas de saúde evidentes devido à má qualidade do ar, ela pode subestimar o risco porque o problema não é facilmente lembrado ou percebido.
Viés da Normalização: Os indivíduos podem se acostumar ao ambiente em que vivem e acreditar que a qualidade do ar é normal, mesmo que níveis prejudiciais de poluentes estejam presentes, simplesmente por já estarem acostumados.
Viés de Confirmação: As pessoas podem ignorar evidências objetivas sobre a má qualidade do ar, buscando ou dando mais valor a informações que confirmem suas percepções de que o ambiente é saudável.

Conformidade Social e Qualidade do Ar
Heurísticas e Vieses: A conformidade social inibe questionamentos e bloqueia iniciativas de mudança. Isso acontece porque, quando não observamos preocupação daqueles ao nosso redor sobre um problema como a qualidade do ar, assumimos que ele não é importante.
Pressão do Grupo: Experimentos de Solomon Asch, demonstraram que a pressão social pode fazer com que indivíduos ignorem evidências claras para seguir o grupo. Isso também se aplica ao contexto de saúde e segurança, como a qualidade do ar: se o grupo não se preocupa, é improvável que um indivíduo levante a questão.
Normas Culturais e Aprendizagem Social: Normas culturais moldam comportamentos e percepções. Se é culturalmente aceito não se preocupar com a qualidade do ar, as pessoas podem ignorar os riscos associados, perpetuando um ciclo de descuidos.

Fatores Emocionais
Os fatores emocionais desempenham um papel crucial na maneira como as pessoas lidam com a qualidade do ar interno.
Três aspectos principais são barreiras significativas que impedem uma abordagem proativa desse tema:
Medo do Desconhecido: se manifesta na ansiedade sobre a possível presença de poluentes invisíveis no ambiente doméstico. Esse medo pode levar à evitação ativa, onde as pessoas preferem não investigar a qualidade do ar para evitar confrontar possíveis problemas. Esse comportamento de distanciamento emocional funciona como um mecanismo de defesa contra o desconforto emocional.
Negação da Vulnerabilidade: reconhecer que estamos expostos a riscos dentro de nosso próprio lar pode ser desconfortável. Essa percepção frequentemente leva à negação, onde informações sobre a qualidade do ar interno são minimizadas ou ignoradas. Essa atitude é reforçada pela escassez de conhecimento técnico, resultando em uma desconexão das causas reais dos problemas ambientais.
Receio de Descobrir Problemas: a possibilidade de que o lar contribua para problemas de saúde pode ser paralisante. Esse medo deriva em procrastinação ou inércia, onde indivíduos evitam tomar medidas para melhorar a qualidade do ar.

Torne Visível a Qualidade do Ar
Considerando tudo o que exploramos — a resistência inconsciente, a tendência a ignorar riscos invisíveis e a força das rotinas arraigadas — a orientação mais eficaz, universal e viável não é tentar transformar a cultura ou os comportamentos de uma só vez, mas sim trazer o perigo invisível para a superfície de maneira simples, cotidiana e incontestável.
O maior obstáculo é psicológico: enquanto o perigo é invisível, ele continua fora do campo de preocupação diária.
A ação inicial mais eficiente é criar um sinal claro e sensível — um indicador físico no ambiente — que mostre quando o ar está inadequado e promova a ventilação ou mudança imediata, até mesmo “sem pensar”.
Como Colocar a Estratégia em Prática de Maneira Gradual?
Utilize um Monitor de CO₂ Portátil e Visível
Deixe-o sempre em exibição em salas de aula, salas de reuniões, consultórios, ambientes fechados em geral.

Combine uma regra objetiva: sempre que os valores subirem acima do recomendado, abra janelas/portas imediatamente, acione os purificadores de ar, ou faça uma pausa para arejar
Se não houver acesso à tecnologia, padronize uma checagem periódica baseada em sensação: “Ventile o local a cada X minutos ou sempre que alguém perceber o ar mais abafado.”

Associe um lembrete visual simples
Como cartões vermelhos e verdes, relógios programados, quadros de sinais para ajudar as pessoas a associar o “momento de ventilar” ao cotidiano, sem exigir deliberação ou discussão.

4. Dê retorno coletivo
Compartilhe os benefícios percebidos (menos mal-estar, menos ausências, melhor atenção) para reforçar a motivação.

Influência social
A influência social é um mecanismo poderoso para a mudança comportamental. Richard Thaler sugere que informar as pessoas sobre as ações dos outros pode eficazmente modificar suas condutas. Esse conceito, conhecido como "modelagem social", baseia-se na ideia de que saber o que os outros fazem pode inspirar mudanças positivas.
Além disso, influencers podem desempenhar um papel crucial na conscientização sobre a qualidade do ar interno. Ao compartilhar informações e práticas saudáveis, eles podem atingir um público amplo e motivar comportamentos mais conscientes.

Embora a informação sobre o comportamento dos outros seja valiosa, a liderança ativa e engajada é essencial para estabelecer uma visão compartilhada e manter uma comunicação eficaz. Isso é fundamental para impulsionar mudanças mais profundas e sustentáveis.
Assim, enquanto a modelagem social pode iniciar mudanças, a influência de líderes inspirados e de influencers assertivos pode amplificar significativamente esses efeitos, promovendo conscientização e ações em prol de um ambiente interno mais saudável.
Gamificação
● Plataformas Interativas onde os usuários ganham pontos por ações como abrir janelas, usar purificadores, ou monitorar a qualidade do ar;
● Desafios Semanais: desafios que incentivem a ventilação adequada;
● Sistema de Recompensas: Oferecer prêmios ou descontos em produtos relacionados à qualidade do ar para aqueles que participam ativamente e acumulam pontos;

● Relatórios Personalizados: Fornecer feedback visual e relatórios personalizados que mostrem quantos funcionários não apresentam mais quadros alérgicos, por exemplo;
● Comunidade Virtual: Criar uma comunidade online onde os usuários compartilham dicas e conquistas, promovendo um ambiente de suporte e competição saudável.
Resultado Esperado das Ações para Mudança Comportamental
Assim, a ventilação e o cuidado com o ar deixam de ser “lembranças abstratas”, passando a integrar o cotidiano como mais uma rotina visível, automática e coletiva — que pode ser o primeiro passo para outras mudanças comportamentais.
Ações de Governos e Entidades Organizadas da Sociedade
As instituições representativas da Qualidade do Ar Interno, como o PNQAI e os Governos podem contribuir de várias maneiras para melhorar a qualidade do ar interno?
Ações Institucionais
Educação e Conscientização
● Campanhas Informativas: Criar campanhas para educar a população sobre a importância da qualidade do ar interno e como ela afeta a saúde.
● Distribuição de Guias: Fornecer guias simples sobre boas práticas, como ventilação adequada e uso de purificadores de ar em escolas, por exemplo.

Incentivos
● Subsídios e Descontos: Oferecer incentivos fiscais ou descontos na compra de equipamentos que melhorem a qualidade do ar interno, como purificadores e sistemas de tratamento do ar.
● Certificação de Edifícios: Criar programas de certificação que reconheçam edifícios com excelente qualidade do ar, incentivando melhorias.

Regulamentação
● Normas de Construção: Implementar normas que exijam sistemas de ventilação apropriados em novas construções.
● Inspeções e Auditorias: Realizar inspeções regulares para garantir que as normas de qualidade do ar estejam sendo cumpridas.

Tecnologia e Inovação
● Apps de Monitoramento: Desenvolver aplicativos que ajudem os indivíduos a monitorar a qualidade do ar em suas casas.
● Incentivar Inovações: Apoiar pesquisas e inovações em tecnologias para melhorar a qualidade do ar.

Nudges - Ações Sutis
Os "nudges" ajudam a criar um ambiente em que as escolhas saudáveis são mais fáceis e naturais para as pessoas, levando a uma melhora contínua na qualidade do ar interno.
Exemplos Concretos de “Nudges”
● Etiquetas de Lembrete: Colocar etiquetas em locais estratégicos para lembrar sobre a verificação dos monitores de qualidade do ar.
● Alerta nas Smart Homes: Integrar alertas automáticos para melhorar a ventilação em sistemas de casas inteligentes.
● Informações nos Rótulos de Produtos: Incluir informações sobre a emissão de compostos orgânicos voláteis em produtos de limpeza.

Conclusão - A melhoria da qualidade do ar interno vai além de meras informações técnicas, ela exige uma abordagem que compreenda e ataque barreiras comportamentais e cognitivas.
Ao tornar os riscos mais visíveis e incorporar estratégias de comportamento social e emocional, podemos efetivamente promover ambientes mais saudáveis.
A integração de intervenções práticas e a conscientização cultural são essenciais para facilitar es
a mudança e assegurar um futuro mais sustentável e saudável para todos.
Referências Bibliográficas
Este texto foi desenvolvido com base em diversas fontes de informação, aliado à experiência e reflexão na construção de soluções para o tratamento e qualidade do ar interno.
Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Thaler, R.H.; Sustein, C.R.; Objetiva; 2019;
Misbehaving. A construção da economia comportamental; Thaler, R.H; Intrínseca; 2019;
Rápido e Devagar. Duas Formas de Pensar; Daniel Kahneman; Objetiva; 2012;
Psicologia Ambiental; Gabriel Moser; https://doi.org/10.1590/S1413-294X1998000100008;
Uma revisão sistemática para avaliar a eficácia baseada em evidências, o conteúdo e os fatores de sucesso das intervenções de mudança de comportamento para melhorar o comportamento pró-ambiental em indivíduos; Henriette Rau; Susanne Nicolai; Susanne Stoll-Kleemann; Psicología Frontal; 2022;13:901927. doi: 10.3389/fpsyg.2022.901927;
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